terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O crescimento da China na óptica de Paul Krugman

A China vai quebrar? Considere o panorama seguinte: o crescimento recente foi baseado num enorme boom de construção alimentado pela alta dos preços dos imóveis, boom esse que exibe todos os sinais clássicos de uma bolha. Houve um crescimento acelerado do crédito - tendo boa parte desse crescimento se dado não através dos bancos tradicionais, mas por meio de "operações bancárias nas sombras", não regulamentadas, que não são sujeitas a fiscalização governamental, nem contam com garantias governamentais. Agora a bolha está estourando - e existem motivos reais para temer uma crise financeira e econômica. Estou descrevendo o Japão no final dos anos 1980? Ou a América em 2007? Poderia estar. Mas, neste momento, estou falando da China, que está emergindo como mais um ponto de perigo em uma economia mundial que realmente não precisa disso neste momento. Venho relutando em me manifestar sobre a situação da China, em parte porque é tão difícil saber o que realmente acontece por lá. Todas as estatísticas econômicas podem ser mais bem vistas como alguma forma especialmente entediante de ficção científica, mas as cifras chinesas são mais fictícias que a maioria. Eu pediria um parecer a especialistas na China, mas parece que não há dois sinólogos que estejam contando a mesma história. Mesmo assim, até mesmo os dados oficiais são preocupantes - e as notícias recentes são suficientemente dramáticas para fazer soar alarmes. O que mais chamou a atenção na economia chinesa nos últimos dez anos foi como o consumo doméstico, embora tenha aumentado, estava defasado em relação ao crescimento total. Hoje os gastos dos consumidores representam apenas cerca de 35% do PIB, mais ou menos a metade do nível visto nos Estados Unidos. Então quem está comprando os bens e serviços que a China produz? Parte da resposta é "nós estamos": à medida que a participação dos consumidores na economia foi caindo, a China foi cada vez mais confiando em superávits comerciais para manter seu setor manufatureiro ativo. Mas a história maior, desde o ponto de vista da China, são os gastos com investimentos, que alcançaram quase metade do PIB. A pergunta óbvia é: com a demanda dos consumidores relativamente fraca, o que motivou todos esses investimentos? E a resposta é que eles dependeram, em grande medida, da bolha imobiliária sempre crescente. Desde 2000 os investimentos no setor imobiliário mais ou menos dobraram como parcela do PIB, sendo diretamente responsáveis por mais de metade do aumento geral nos investimentos. E, com certeza, boa parte do resto do aumento se deveu a firmas que se expandiram para vender para o setor crescente da construção. Sabemos com certeza que o crescimento do setor imobiliário foi uma bolha? Ela teve todos os sinais: não apenas a alta dos preços, mas também o tipo de febre especulativa que já conhecemos bem demais de nossas experiências de alguns anos atrás. Pense no litoral da Flórida. E houve outro paralelo com a experiência americana: enquanto o crédito se expandiu, boa parte dele veio não de bancos, mas de um sistema bancário nas sombras, não supervisionado e não protegido. Houve diferenças enormes nos detalhes: o financiamento nas sombras à moda americana geralmente envolveu firmas de prestígio em Wall Street e instrumentos financeiros complexos, enquanto a versão chinesa tende a passar por bancos clandestinos e até mesmo casas de penhores. Mas as consequências foram semelhantes: na China, assim como aconteceu nos EUA alguns anos atrás, o sistema financeiro pode estar muito mais vulnerável do que revelam os dados sobre os bancos convencionais. Agora a bolha está estourando visivelmente. Quantos danos vai causar à economia chinesa - e ao mundo? Alguns comentaristas dizem que não precisamos nos preocupar: que a China tem líderes fortes e inteligentes que farão o que for preciso para lidar com um desaquecimento. O que fica implícito, embora não seja declarado com frequência, é a ideia de que a China poderá fazer o que for preciso porque não precisa preocupar-se com boas maneiras democráticas. Para mim, porém, isso não soa convincente. Me lembro muito bem de ouvir frases tranquilizadoras semelhantes sobre o Japão nos anos 1980, quando os burocratas brilhantes do Ministério das Finanças supostamente tinham tudo sob controle. E, mais tarde, houve as declarações de que a América jamais repetiria os erros que levaram à década perdida do Japão - sendo que, na realidade, estávamos tendo um desempenho ainda pior que o Japão tinha tido. Quero registrar que as declarações sobre política econômica feitas por autoridades chinesas não me parecem especialmente lúcidas. Em especial, o modo como a China anda reagindo negativamente a estrangeiros - entre outras coisas, impondo uma tarifa punitiva a automóveis de fabricação americana, algo que não ajudará sua economia em nada mas ajudará a envenenar as relações comerciais - não soa como um governo maduro que sabe o que está fazendo. E evidências empíricas sugerem que, embora o governo chinês possa não ter sua atuação limitada pelo Estado de direito, essa atuação é limitada pela corrupção ampla, que significa que o que acontece de fato ao nível local pode guardar pouca semelhança com o que é ordenado em Pequim. Espero que eu esteja sendo desnecessariamente alarmista. Mas é impossível não se preocupar: a história da China soa um pouco parecida demais com as quebras que já testemunhamos em outras regiões. E uma economia mundial que já está sofrendo com o caos na Europa realmente não precisa de um novo epicentro de crise.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Pecado Original

Mais claro não é possível...

"The key point is that by joining the euro, Italy took a bite of the apple — it converted its advanced-country status, as a nation issuing debt in its own currency, into original sin, with debts in someone else’s currency (Europe’s in principle, Germany’s in practice). That is the root of its new vulnerability"

Paul krugman, New York Times, 2011-11-10

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Um olhar americano...

After the creation of the euro in 1999, European nations that had previously been considered risky, and that therefore faced limits on the amount they could borrow, began experiencing huge inflows of capital. After all, investors apparently thought, Greece/Portugal/Ireland/Spain were members of a European monetary union, so what could go wrong?

The answer to that question is now, of course, painfully apparent. Greece’s government, finding itself able to borrow at rates only slightly higher than those facing Germany, took on far too much debt. The governments of Ireland and Spain didn’t (Portugal is somewhere in between) — but their banks did, and when the bubble burst, taxpayers found themselves on the hook for bank debts. The problem was made worse by the fact that the 1999-2007 boom left prices and costs in the debtor nations far out of line with those of their neighbors.

What to do? European leaders offered emergency loans to nations in crisis, but only in exchange for promises to impose savage austerity programs, mainly consisting of huge spending cuts. Objections that these programs would be self-defeating — not only would they impose large direct pain, but they also would, by worsening the economic slump, reduce revenues — were waved away. Austerity would actually be expansionary, it was claimed, because it would improve confidence.

Nobody bought into the doctrine of expansionary austerity more thoroughly than Jean-Claude Trichet, the president of the European Central Bank, or E.C.B. Under his leadership the bank began preaching austerity as a universal economic elixir that should be imposed immediately everywhere, including in countries like Britain and the United States that still have high unemployment and aren’t facing any pressure from the financial markets.

But as I said, the confidence fairy hasn’t shown up. Europe’s troubled debtor nations are, as we should have expected, suffering further economic decline thanks to those austerity programs, and confidence is plunging instead of rising. It’s now clear that Greece, Ireland and Portugal can’t and won’t repay their debts in full, although Spain might manage to tough it out.

Realistically, then, Europe needs to prepare for some kind of debt reduction, involving a combination of aid from stronger economies and “haircuts” imposed on private creditors, who will have to accept less than full repayment. Realism, however, appears to be in short supply.

On one side, Germany is taking a hard line against anything resembling aid to its troubled neighbors, even though one important motivation for the current rescue program was an attempt to shield German banks from losses.

On the other side, the E.C.B. is acting as if it is determined to provoke a financial crisis. It has started to raise interest rates despite the terrible state of many European economies. And E.C.B. officials have been warning against any form of debt relief — in fact, last week one member of the governing council suggested that even a mild restructuring of Greek bonds would cause the E.C.B. to stop accepting those bonds as collateral for loans to Greek banks. This amounted to a declaration that if Greece seeks debt relief, the E.C.B. will pull the plug on the Greek banking system, which is crucially dependent on those loans.

If Greek banks collapse, that might well force Greece out of the euro area — and it’s all too easy to see how it could start financial dominoes falling across much of Europe. So what is the E.C.B. thinking?

My guess is that it’s just not willing to face up to the failure of its fantasies. And if this sounds incredibly foolish, well, who ever said that wisdom rules the world?

Paul Krugman, May 21, 2011
New York Times

terça-feira, 14 de junho de 2011

Não estou pensando em nada...

Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o verão quente do dia,

Não estou pensando em nada, e que bom!

Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
E como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas,
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Mas realmente em nada,
Em nada...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa